CF: Um projeto para o Brasil. Texto N.3 de CJ / CCF/APD

CELSO FURTADO, Um Projeto para o Brasil, Segunda parte: A REESTRUTURAÇÃO DA ECONOMIA INTERNACIONAL ( Editora Saga, RJ, 5ª edição ) Texto N. 3, selecionado para apresentação em CCF / APD Apresentação/CJ : Nesta Segunda Parte de UM PROJETO PARA O BRASIL, CF discorre sobre a preeminência mundial da economia dos USA no após-guerra, destacando o declínio da hegemonia norte-americana a partir da década de 1960. Em seguida coloca suas hipóteses sobre perspectivas para a América Latina. ____________ -PREEMINÊNCIA ECONOMIA USA . “ Um dos problemas que se colocam ao estudioso da economia internacional contemporânea é o da incerteza com respeito à definição de suas linhas evolutivas básicas. (...) Que forma básica apresentará a economia internacional nos próximos anos ? ... (p.89) A perplexidade com respeito à fisionomia futura da economia internacional é fenômeno recente. Até fins dos anos cinquenta, admitia-se sem discutir explicitamente o problema, a prevalência de um sistema de poder mundial que, a partir do fim da última guerra, se vinha organizando sob a hegemonia dos Estados Unidos. (...) A partir desse subconjunto de enorme importância relativa e considerável avanço em termos de capitalização e de progresso tecnológico, parecia natural a emergência de um sistema econômico internacional, capaz de proporcionar unidade de direção à economia mundial. (...) Desta forma, os Estados Unidos adquiriram o privilégio de emitir moeda de curso internacional, isto é, de imprimir um papel moeda que, por ter a garantia ddo governo norte-americano, possuía poder liberatório em todos os países do mundo. (p.89-91) O sistema econômico internacional que surgiu sob a hegemonia norte-americana é essencialmente distinto daquele que se formara no século dezenove sob a preeminência britânica. (...) O novo sistema resultaria da projeção internacional de um conjunto de grandes empresas norte-americanas. (...) A participação das importações (e das exportações) no produto nacional permaneceu estacionária a baixo nível, inferior a quatro por cento. Como as empresas que tenderam a projetar-se em escala mundial, estão estruturadas em oligopólios, dentro da economia dos Estados Unidos, um sistema similar de decisões teria que reproduzir-e em escala multinacional. ... à diferença da antiga economia internacional, baseada em um mercado internacional de produtos, a nova começou a definir-se como um sistema de decisões de âmbito multinacional, (p.90-92) (...) Limitaremos nossa análise a aspectos da evolução recente das estruturas capitalistas de maior relevância para a compreensão das novas formas que vem apresentando a economia internacional. Em primeiro lugar, cabe assinalar a nova orientação do processo de concentração do poder econômico. ... O segundo aspecto significativo diz respeito ao avanço das técnicas de manipulação de informações , que está permitindo revolucionar os métodos de direção e controle. (...) Sem as novas técnicas de decisão, o processo de conglomeração, tanto no plano funcional como no geográfico, tenderia rapidamente a apresentar rendimentos decrescentes. (...) A possibilidade de diversificar-se funcional e geograficamente, praticamente sem limites, guardando a eficácia econômica, é a razão de ser da empresa-gigante que domina atualmente a economia dos Estados Unidos. (...) Uma das modificações mais visíveis é a evolução das grandes empresas – uma centena delas controla mais da metade dos capitais investidos na indústria manufatureira dos Estados Unidos, e menos de cinquenta [empresas] mais de metade dos investimentos diretos americanos no exterior – as quais se transformaram no instrumento de formação e de aplicação do potencial de investimento da coletividade. (...) Assim, a estagnação econômica na América Latina coincidiu com uma grande expansão das empresas americanas que atuam nessa região. (p.91-95). (...) Já em 1957, ano para o qual foi realizado um censo das empresas americanas no estrangeiro, 45 empresas controlavam 75% do total dos investimentos diretos. ... o novo sistema econômico internacional é muito menos um fenômeno de comércio internacional que de controle de decisões econômicas numa área multinacional. (...) No plano político cabe assinalar que o sistema mundial de poder que se estruturara sob a hegemonia americana sofreu importante evolução no correr do último decênio. (...) Nas palavras de um analista francês, o maior poder americano fazia da Europa Ocidental o refém da União Soviética. Essa situação foi fundamentalmente modificada pela evolução da técnica dos foguetes .... Em síntese, a hegemonia americana tendeu a perder substância no plano político como consequência da evolução da tecnologia militar. No plano econômico, o dado de significação mais geral a ter em conta é a taxa relativamente fraca do crescimento da economia dos Estados Unidos nos últimos dois decênios, particularmente quando a comparamos com o crescimento das economias industrializadas que com ela concorrem nos mercados internacionais. (...) entre 1953 e 1962, o valor das exportações mundiais aumentou em 76 por cento e o das exportações americanas em 67%. (...) Não considerada a Inglaterra, os demais países industrializados lograram aumentar suas exportações com uma taxa mais de duas vezes superior à dos Estados Unidos. (p.95-99) As causas do declínio da posição dos Estados Unidos são evidentemente complexas. (...) Levando a simplificação ao extremo, poder-se-ia dizer que a economia americana se singularizou pela riqueza de sua base de recursos naturais, pelo seu elevado grau de integração e pela preeminência das grandes empresas. Graças a estas últimas, as decisões econômicas puderam ser coordenadas, no quadro de uma economia de mercado, em um espaço continental. (p.100) -PERSPECTIVAS PARA A AMÉRICA LATINA No quadro da economia mundial, altamente dinâmico, dos últimos dois decênios, a América Latina surge como um caso especial de relativa estagnação. À exceção da venezuelana – (...) – as economias da região foram seriamente afetadas, ainda que em graus diversos, pelo declínio relativo do comércio internacional de produtos primários. Em razão da insuficiência estrutural de capacidade importadora criada por essa tendência básica, tais economias procuraram diversificar suas estruturas produtivas instalando indústrias “substituidoras de importações”. Assim, a fase de expansão externa das grandes empresas norte-americanas coincide, na América Latina, com a criação de amplas facilidades visando à interiorização de atividades produtivas, particularmente no campo manufatureiro. A industrialização latino-americana tendeu a assumir, por conseguinte, a forma de internacionalização de atividades produtivas ligadas ao mercado interno, o que viria a marcar o desenvolvimento da região em sua fase atual. ... (p.110-111) (...) Na América Latina impôs-se sem discussão a posição canadense, proporcionando-se o máximo de proteção a qualquer atividade produtiva tendente a substituir importações, na suposição de que qualquer indústria instalada no território nacional coopera igualmente para a prosperidade do país. (...) Entre 1950 e 1965, os investimentos fixos norte-americanos em manufaturas latino-americanas aumentaram de 780 para 2.714 milhões de dólares. O maior volume desses investimentos encontra-se hoje no México (752 milhões), no Brasil (722 milhões) e na Argentina (617 milhões). (...) tudo indica que a expansão das empresas norte-americanas se realizou em grande parte através da aquisição de instalações já existentes nos países. Esta, aliás, tem sido a forma principal de crescimento dos grandes conglomerados na própria economia norte-americana. A expansão das empresas norte-americanas na América Latina vem se realizando no quadro do processo de “substituição de importações”, isto é, do esforço visando a superar a insuficiência estrutural da capacidade de importação. (...) Contudo, esse processo de substituição de importações apresenta limites e o seu controle por empresas estrangeiras cria problemas, que merecem atenção. Não se deve perder de vista que as empresas norte-americanas que se instalam na América Latina são parte de um sistema de decisões que transcende o horizonte nacional de cada país isoladamente. Elas tendem a descentralizar geograficamente certas atividades e a centralizar outras. Entre estas últimas se incluem as atividades apoiadas em tecnologias de vanguarda. Assim, na medida em que se avança na substituição de importações de produtos mais complexos a dependência de insumos provenientes das matrizes tende a aumentar. (...) O segundo aspecto do problema, e de importância seguramente superior, está ligado à limitação que encontram as filiais no que respeita à sua integração no comércio internacional. Sendo as filiais parte de empresas com ampla ação internacional já nascem elas com um horizonte geográfico definido. Que países como a Argentina e o Brasil hajam alcançado um grau relativamente elevado de industrialização sem em nada conseguir modificar a composição de suas exportações – as quais continuam a refletir as velhas estruturas exportadoras de matérias primas – constitui clara indicação de que esse tipo de industrialização é simples adaptação a uma nova forma de dependência exterior. (p.112-114) Por último, cabe considerar o problema do financiamento da expansão das filiais norte-americanas trabalhando no setor manufatureiro da América Latina. (...) Os recursos de terceiros levantados na América Latina foram duas vezes mais importantes que os fundos provenientes dos Estados Unidos. Contudo, a principal fonte de financiamento foram as próprias empresas, através de lucros retidos e fundos de amortização. Se se tem em conta que as filiais manufatureiras na América Latina, durante o período referido, distribuíram aproximadamente 42 por cento de seus lucros, depreende-se que duas terças partes dos fundos obtidos nos Estados Unidos podiam ser financiados com os lucros distribuídos, o que permite concluir que o conjunto de filiais esteve em condições de cobrir 94 por cento de sua extraordinária expansão, independentemente de novos fundos obtidos nos Estados Unidos. Parece fora de dúvida, portanto, que não obstante as dificuldades da balança de pagamentos que enfrenta a economia norte-americana, as suas filiais não terão dificuldades de tipo financeiro para continuar a sua expansão na América Latina. (... A experiência dos últimos dois decênios, na América Latina, serviu para demonstrar de forma cabal que o desenvolvimento é menos um problema de investimentos que de criação de um sistema econômico articulado e capacitado para autodirigir-se. A adoção à ‘outrance’ do modelo canadense de microprotecionismo, sem ter em conta que a existência de um sistema econômico pressupõe um marco nacional capaz de unificar os marcos valorativos, frustrou a formação de uma classe de autênticos empresários nacionais, permitindo que os sistemas de poder continuassem essencialmente controlados por grupos tradicionalistas. Por outro lado, o controle de decisões, concernentes a um número crescente de setores produtivos, por grupos estrangeiros, aumentou o grau de desarticulação das economias nacionais, na medida em que reduziu a possibilidade de uma efetiva coordenação interna das decisões econômicas de caráter estratégico. (...) (...) Na América Latina, a articulação multinacional, para transformar-se em efetivo instrumento do desenvolvimento, requer prévia recuperação do Estado nacional como centro básico de decisões. Sem essa recuperação, é de prever que continue a agravar-se a desarticulação das empresas nacionais e que persista o impasse da estagnação. As tentativas de integração de economias nacionais desarticuladas e controladas do exterior servirão apenas para aumentar os cursos e fazer mais remota a retomada do desenvolvimento. (p.114-117) . A respeito desse “outro modelo não nacional “ ver os livros : a) de Carlos Henrique Lopes Rodrigues, IMPERIALISMO E EMPESA ESTATAL NO CAPITALISMO DEPENDENTE BRASILEIRO, b) de Sérgio Magalhães, PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ..

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