na Era da Esperança (Celso Furtado)- Texto N. 2
Na ERA DA ESPERANÇA
CELSO FURTADO, POR ELE MESMO. *
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*Transcrição de extratos selecionados do livro "Era da Esperança". Teoria e Política no pensamento de Celso Furtado.
Por Francisco de Sales Gaudêncio e Marcos Formiga (orgs). Paz e Terra (1995).
1o. painel.
"Sempre me fascinou o estudo da segunda metade do século XVIII, quando pela primeira vez os homens pretenderam modificar o mundo a partir de esquemas mentais ordenados. (...) A marca que deixou a SUDENE decorre da convicção de que o homem dispõe de instrumentos para agir sobre a realidade social.
De todo o trabalho que realizei , o que considero mais significativo foi plantar idéias. (...) Eu diria que o trabalho que realizei está marcado por uma extraordinária confiança no papel da inteligência como expressão superior da atividade humana, na fé, que me empolgou muito cedo, de que cabe ao homem assumir a responsabilidade de seu destino.
(...) Minha mãe nasceu na Amazônia, filha de nordestinos que para lá haviam emigrado em busca de um destino melhor. (...) Em um trabalho que realizamos no Maranhão amazônico tentamos desenvolver a floresta como uma coisa viva, algo a ser preservado e não depredado. Era uma forma de resgatar a minha dívida para com as minhas origens amazônicas.
(...)Nós, intelectuais, agimos porque temos um projeto que nos obriga a explicitar nossos propósitos últimos. Fora disso, estaremos cometendo uma traição a nós mesmos, pois teremos negado a função social que nos cabe desempenhar.
_________ Painel sobre Formação acadêmica, primeiros trabalhos, BNDE, CODENO; da criação da SUDENE ao Ministério do Planejamento (1940/1963). Coordenador: senador Antonio Mariz.
2o. painel.
Clóvis Cavalcanti pôs o dedo num ponto que me é caro, que desenvolvi em um livro que tem um título algo estranho, pois se chama O mito do desenvolvimento econômico. É um livro que escrevi em Cambridge, universidade onde estudei e para onde regressei como professor vinte anos depois. (...)
Desde cedo percebi que o subdesenvolvimento é um processo histórico autônomo, que nada tem a ver com o atraso e com a estagnação. É uma forma de crescimento com certas características particulares que me parecem uma verdadeira armadilha histórica. Todos sabemos que o crescimento econômico é uma elevação da renda da população. Mas também sabemos que só captamos essa ideia no quadro da elevação de produtividade, do dinamismo que resulta do progresso tecnológico. Na base de tudo estão aumentos de produtividade. Portanto desenvolvimento e aumento de produtividade vem a ser a mesma coisa. Ora, percebi naquela época que essas podiam ser coisas diferentes e que um país determinado podia beneficiar-se do crescimento econômico como simples decorrência de sua inserção no sistema de divisão internacional do trabalho. Introduzi então o conceito de modernização.... A modernização significa a adoção de novas formas de vida por imitação de outras sociedades que, essas, se beneficiam de autêntica elevação de produtividade física. (...)
(...) Hoje, faço uma reflexão complementar: o desenvolvimento de países que estão na vanguarda do progresso tecnológico também parece haver tomado uma direção errada, que leva a outro tipo de bloqueio. Eu já havia constatado há 20 anos que a entropia do universo aumenta, isto é, que o processo global de desenvolvimento tem um considerável custo ecológico. Mas somente agora esse processo se apresenta como uma ameaça à própria sobrevivência da humanidade. (p.76-77)
________ Painel sobre o exílio na França , retorno ao Brasil; do Ministério da Cultura aos dias atuais (1964-1990): Coordenador: Ademir Alves de Mello- UFPB / João Pessoa.
3o. painel.
As exposições que ouvimos hoje foram todas significativas para mim, porque todas deram ênfase a algo que sempre me apaixonou: a ideia de que nada se explica neste país se não tivermos uma visão global do processo histórico, incluindo a dimensão internacional. Nascemos de um projeto que nasceu fora de nós , como expansão de uma outra realidade, e nos desenvolvemos dentro desse contexto criado a partir do século XVI. O que mais me impressionou, sempre, pensando o Brasil, lendo sobre o Brasil, foi como este país, aparentemente um sistema fechado, emergiu da economia internacional. As ligações internacionais sempre tiveram um papel estratégico, vital e nevrálgico na vivência brasileira. Minha contribuição foi chamar a atenção para a potencialidade de nosso mercado interno. Olhando sempre para fora, esperando que as soluções ou os impulsos viessem de fora, nós, em realidade, subestimávamos nossa força, nossa capacidade de gerar dinamismo e de criar desenvolvimento.
O que marcou a minha vida foi a descoberta de que a grande recessão de 1930 havia posto em marcha, no Brasil, forças de recuperação, havia aberto espaço para que o Brasil tivesse, pela primeira vez, um processo de crescimento autônomo, como eu disse, a partir de um centro dinâmico próprio. (...) A força criativa, o dinamismo, vinham de dentro do país. Tampouco ignoramos que dependemos de tecnologia externa e inclusive de capital externo para resolver certos problemas. Mas isto não nos fazia esquecer que era a expansão do mercado interno que estava na base do alto dinamismo deste país. Quando se vê um país que durante trinta anos cresce com uma das mais altas taxas do mundo, no quadro de um processo de fechamento, ou seja, com uma redução persistente do impulso externo, da capacidade de geração de renda criada pela demanda externa, cabe reconhecer que existe nesse pais uma capacidade de crescimento gerada por ele mesmo. Foi isto que me fez se entusiasta do Brasil, escrever tanto livros para ajudar a juventude a crer no Brasil. Eu via este país como uma das vanguardas da expansão da economia mundial. (p. 104-105)
(...)
Que repercussões no plano internacional terão as transformações em curso.... O ´´unico certo é que temos diante de nós um longo período de incertezas. Os riscos de guerra já não são tão grandes, nem por isso o caminho a percorrer pelas novas gerações será menos árduo. Somos um país em construção, muito grande, com problemas complexos que requerem soluções originais. Essas soluções terão de ser encontradas aqui mesmo, quer dizer terão de sair de um esforço intelectual e criativo dos brasileiros, e a vanguarda desse esforço, a responsabilidade maior cabe às universidades.
__________ Painel - Revisitando o Nordeste: o futuro da nova economia regional. Coordenador: prof. Odilon Ribeiro Coutinho
4o. painel.
Gostaria apenas de agradecer ao coordenador e aos conferencistas. Pensar o Brasil me entusiasmava. Percebo que neste fim de século não se pode realizar grandes coisas, mas se pode realizar um investimento importante em reflexão. Neste sentido, será este um período de gestação. Não quero dizer que não se realizem coisas, mas será principamente um período de preparação para o futuro. Daí que o que se possa fazer hoje em dia, dentro das universidades, será decisivo. Se não houver esta reação no sentido da reflexão, do pensamento, da discussão, aí sim - e nesse ponto concordo com o Hélio Jaguaribe - , se perdermos mais meio século, ninguém poderá saber o que será do Brasil.”
________ Painel Modernização e globalização : economia e Estado nacional. Coordenador: deputado federal Miguel Arraes de Alencar.
Segue-se uma síntese do DEBATE COM O PLENÁRIO (p. 137-154). Encerrando, foram estas as últimas palavras de CELSO FURTADO:
“Todos estivemos de acordo com o fato de que muitos foram os erros cometidos no passado, que cabe reconhecê-los se quisermos assumir a maioridade como povo. Estamos unidos em torno da idéia de construir uma sociedade em que prevaleça a justiça social, a solidariedade e a liberdade. E tudo isto só se torna possível se contarmos com a participação entusiasta da juventude. Muito obrigado.”
CELSO FURTADO.
Participaram deste evento, ERA DA ESPERANÇA :
1--Aluisio Afonso Campos, consultor BNDE / SUDENE
2--Armando Dias Mendes, prof. da Faculdade de Economia da Universidade do Pará
3--Aspásia Camargo, doutora em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris)
4--Clóvis Cavalcanti, superintendente do Instituto de Ciências Sociais da Fundação Joaquim Nabuco
5--Cristóvão Buarque, doutor em economia pela Universidade de Paris, prof. UNB
6--Fernando Cardoso Pedrão, ex-integrante do BIRD, do ILPES, coordenador do centro de mestrado em Economia da Universidade Federal da Bahia...
7--Hélio Jaguaribe, doutor Honoris Causa pela Universidade de Mainz (Alemanha)
8--Ignácio de Moura Rangel, professor, jornalista, economista, advogado
9--Juarez Farias, Economista e advogado, ex-diretor do Depto. de Industrialização da SUDENE
10--Maria da Conceição Tavaresw, doutora em Economia, prof. titular na UNICAMP...
11--Milton Santos, prof. titular da USP, ex-prof. de universidades na França, Tanzania e Venezuela
12—Miguel Arraes de Alencar, deputado federal
12--Paulo Bonavides, Jornalista, prof. da Univ. Federal do Ceará, presidente do Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional, ...
13--Ronald de Queiroz Fernandes, prof. Depto de Economia da UF da Paraíba
14-Tânia Bacelar de Araújo, Economista da SUDENE, prof. da UFPE, UFCPE
15--Governador da Paraíba: Ronaldo Cunha Lima.
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Sintese por CECI V. JURUÀ,
Coordenadora do Instituto Celso Furtado / Academia Paulista de Direito.
Rio de Janeiro, 2 de junho de 2024.
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