BRASIL, do getulismo triunfante à frustração e derrota de 1964
O Brasil, do getulismo triunfante
à frustração e derrota de 1964.*
Darcy Ribeiro, nosso brilhantíssimo antropólogo, lançou em 1985 o livro intitulado
AOS TRANCOS E BARRANCOS, COMO O BRASIL DEU NO QUE DEU.
No livro estão elencados os fatos relevantes ocorridos em cada ano, no período 1900
(ano do mosquito) a 1980 (ano do Papa). Um livro excepcional, quase desconhecido
no Brasil. Muitos eventos ocorridos entre 1962 e abril de 1964 ajudam a entender
melhor o golpe ocorrido em 1964, no “dia da mentira”, 1º de abril. Para os anos de
1962/1963, selecionei os eventos relacionados a seguir.
São destacadas por Darcy algumas decisões do presidente João Goulart. Para 1962
figura em primeiro lugar o cancelamento do “registro das jazidas de minério de ferro do
Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, concedidas ilegalmente à Hanna
Corporation através de averbações fraudulentas de autorizações de pesquisas,
convertidas cartorialmente em Minas Gerais. “
Também em matéria de minérios, e “ atendendo à comunidade científica nacional,
Jango reestrutura o Conselho Nacional de Energia Nuclear como autarquia”,
decretando, na ocasião, o monopólio estatal dos materiais nucleares, monopólio que
o presidente Bolsonaro cancelou por medida provisória, no último trimestre de seu
segundo governo (2022), e o fez sem oposição da sociedade civil ou do Congresso
Nacional.
Outra decisão relevante de Jango, em 1962, foi a legalização da organização de
sindicatos rurais, incentivando a sindicalização de camponeses. Feancisco Julião era o
líder das Ligas Camponesas, vistas como defensoras da luta política pelo socialismo.
Ao mesmo tempo em que desfere acusações contra o latifúndio, Jango aprova o
Plano Trienal , de autoria do jovem porem brilhante economista Celso Furtado,
criador da CEPAL juntamente com o argentino Raul Prebisch.
No plano internacional, Jango manifesta sua oposição à invasão de Cuba pelos norte-
americanos, em carta a Kennedy. Por intermédio de um general brasileiro manifesta
sua preocupação com a instalação de misseis soviéticos em Cuba. “Kennedy se
zanga, começa a falar mal de Jango e a pressionar de maus modos contra a infiltração
comunista no governo e contra as encampações de Brizola. É repelido firmemente.”
Por outro lado, no Rio Grande do Sul, Leonel Brizola “desapropria duas fazendas
(Sarandi e Camaquã)” e as entrega a camponeses. No mesmo ano Miguel Arraes,
governador de Pernambuco, intenta “ forçar os senhores de engenho a pagar o
salário mínimo aos trabalhadores da cana”.[
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*Ceci V. Juruá , Economista, licenciada em Economia, mestre em Desenvolvimento e
Planejamento Econômico, doutora em Políticas Públicas. Atualmente é Coordenadora
do Instituto Celso Furtado / Academia Paulista de Direito.
Duas lideranças notórias da direita – Júlio de Mesquita e Assis Chateaubriand-,
acusam tais medidas como ameaça “para tudo o que eles defenderam na vida com
furor insano: a exploração das multinacionais, o latifúndio improdutivo e o elitismo
infecundo de nossas classes dirigentes.”
O Comando Geral dos Trabalhadores – CGT – criado por 1.400 delegados sindicais,
“organiza – contra a vontade do presidente da República – uma greve geral de caráter
político, por 24 horas em todo o país, para exigir a realização do plebiscito do sim ou
não ao parlamentarismo.”
Em 1963, merecem destaque :
-Anulação da concessão da exploração de minas, inativas e guardadas nos últimos 20
anos como reservas estratégicas. “A maior parte delas estava em mãos da Hanna
Co.”
-Em 5 de junho, “Jango e Kennedy encontram-se em Roma, nos funerais de João
XXIII.” Jango exprime sua vontade de ter apoio de Kennedy para as reformas
propostas no Brasil. Kennedy “lamenta que nada pode fazer”.
-Instituído o Estatuto do Trabalhador Rural, ao mesmo tempo em que se estendem
aos trabalhadores rurais os benefícios da Previdência Social.
-Em setembro de 1963, 600 sargentos do Exército e da Aeronáutica “se amotinam em
Brasilia... prendem um ministro do STF e o presidente da Câmara dos Deputados.”
Revolta é debelada, anistiados os insurretos.
Na ocasião, o general Peri Beviláqua, comandante do II Exército se rebela “contra os
malfeitores sindicais da CGT, do Pacto da Unidade de Ação, do Fórum Sindical de
Debates...”
“Pesquisa do IBGE, realizada com ajuda norte-americana revela que, de 1961 a 1963,
a fome canina passa de 1/3 para 2/3 da população.” Ministro da Guerra denuncia
carência nutricional como causa das dispensas do serviço militar.
Desfiles de trabalhadores ocorrem em protesto contra a carestia e em apoio às
reformas de base. Banqueiros realizam sucessão de lockouts.
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-No meu entendimento, as observações transcritas acima, de autoria do prestigiado
antropólogo Darcy Ribeiro, jogam luzes que permitem análise ampliada dos eventos
de março/abril de 1964 : o lamentável e triste golpe de Estado desferido por
lideranças militares brasileiras, com o apoio de banqueiros e classes dominantes
brasileiras, em aliança com lideranças do sistema político dos EUA, cuja frota naval foi
colocada na costa brasileira durante o golpe civil-militar de 1º de abril
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