Nossos mestres, verdadeira elite do nosso Brasil
por Ceci Juruá.
Em matéria de personalidades acadêmicas, a década de 1970 foi marcada, em minha memória intelectual e afetiva, por pessoas que se destacavam na luta que travamos contra o imperialismo e a ditadura civil-militar. Havia por um lado a guerreira Maria da Conceição Tavares. Competente e sempre de lança em punho, guardo dela algumas lições. E às vezes encontro pronunciamentos seus que permanecem atuais, como este que segue. Vale relembrar.
No sistema de poder nacional, as Constituições e os regimes políticos mudam muito rápido, mas o pacto de dominação fundamental permanece fortemente amarrado à Lei de Terras e ao Código Comercial de 150 anos atrás. A sagrada aliança entre os donos da terra, do dinheiro e do Estado não permite que nossas "transições democráticas" se completem. (Maria da Conceição Tavares, Introdução à obra CELSO FURTADO E O BRASIL. Ed. Perseu Abramo: SP, 2000, p. 13)
Outra personalidade, o eterno mestre Celso Furtado, nos legou um conjunto de hipóteses e explicações sobre nossa própria história que eu considero "imbatíveis". Ao contrário daqueles que procuram nos denegrir , como povo e cultura,
Furtado orientou-se para o entendimento da dinâmica histórica, no"quadro de relações estruturais , a começar pelas internacionais", segundo ele próprio explicou.
Frente à economia atrasada e à pobreza vigente no Brasil, comparativamente a outros países da área latino-americana, Furtado confessa que se sentiu chocado e impelido a um desafio. Ele conta tais fatos em uma de suas últimas obras, O Capitalismo Global. Transcrevo:
Será que nosso povo era realmente inferior, como muita gente pensava fora e dentro de nosso país ? Que outra explicação poderia haver ? Como já haviam sido desacreditadas as teorias de inferioridade de raça e inadequação de clima, voltei-me para a história. Não será que a classe dirigente brasileira foi incapaz de inserir o país no processo de industrialização que criou a civilização moderna a partir do século passado ? Os que viram claro nessa matéria, como Mauá, foram vencidos pelos latifundiários escravistas. Quando comecei a pensar nesses temas, já estava armado de conhecimentos de ciências sociais modernas, inclusive análise macroeconômica, e tive o benefício de uma troca franca de idéias com Prebish. O que importa é que estamos pensando com nossas cabeças, me dizia ele.
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Fui dos primeiros a denunciar o agrarismo como causa de nosso atraso. ... O ritmo da atividade econômica era comandado do exterior...
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O projeto de transformação do país existia em estado virtual na cabeça de muitas pessoas, particularmente em São Paulo. Mas o pensamento mais sofisticado, os professores mais ilustres, estavam do outro lado da barricada. Percebi sem tardança que a ciência econômica acadêmica criava obstáculos... Havia, portanto, um imperialismo velado a ser enfrentado com muito cuidado, a fim de não assanhar as hostes "anticomunistas". (Celso Furtado, O capitalismo global. Coleção Afrânio Peixoto, da Academia Brasileira de Letras, RJ, 1998. p.18 a 21)
Vale a pena recordar e reler, e debater, e refletir, e atuar. Contra aquele imperialismo velado, que continua a nos empurrar para o atraso e a pobreza. Há mais de meio século é assim... ! Até quando ?
_______ RJ, março de 2023
Fonte: lista CICEF, centro celso furtado e lista ParaisoBrasil
O Centenário de RAUL PREBISCH, por Celso Furtado. Texto N.1
CELSO FURTADO,” EM BUSCA DE NOVO MODELO. Reflexões sobre a crise contemporânea” Cap. VI. O CENTENÁRIO DE RAUL PREBISCH (SP : Editora Paz e Terra, 2002) Texto N.1, selecionado para o ICF/APD * _______Celso Furtado, sobre Prebisch e Cepal* “As Nações Unidas haviam criado a COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA em começos de 1948, fixando sua sede na capital do Chile, país autor da proposta e que muito se empenhara em sua aprovação. Mas não fora fácil encontrar alguém à altura para dirigir sua secretaria executiva. Nesses primeiros meses estávamos absorvidos em nossas tarefas... Inesperadamente circulou um estudo de natureza teórica preparado por um consultor independente: Raúl Prebisch. Raúl Prebisch chegara à CEPAL em fevereiro de 1949. Criador e diretor geral do Banco Central da Argentina, de 1934 à 1943, ele havia comandado a bem sucedida política de estabilização, particularmente em 1938, e recebera elogios dos mais variados círculos internacionais . Era, sem luga...
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