Discurso de Patronesse aos Bacharelandos de Economia Universidade Católica de Brasília – 27 fev 1997 Ceci Vieira Juruá Hoje é dia de muita alegria e aqui estamos a comemorar uma vitória, a vitória de cada um dos bacharelandos e a vitória de um corpo coletivo que se empenhou para que todos aqui estivessem. Em economês diríamos que vocês, queridos alunos, ao decidirem cursar a universidade, manifestaram uma preferência, exerceram um direito de opção, pelo saber, pelo conhecimento e pela aquisição de um status social baseado no mérito e na competência. Esse é o sentido maior de um diploma de nível superior. Um saber e um conhecimento específico que os distinguem dos demais profissionais, um status social diferenciado, enfim. Antes de tudo quero cumprimentá-los, e a seus pais, seus companheiros, filhos e amigos, por essa vitória acessível a tão poucos brasileiros, o que faz com que os que dela participam constituam uma elite em nosso país, a elite do saber. É bem verdade que não é essa a elite que mais ganha dinheiro, e nós professores bem o sabemos, mas é uma elite respeitada e formadora de opinião, ao lado de outras que configuram a sociedade. Por isso, neste instante de comemoração, da alegria e de felicidade, e retribuindo o carinho com que me distinguiram, quero destacar a responsabilidade social que sobre vocês recai, a partir de agora, quando passam a ser profissionais-Economistas. Paul Presbich, comentando a obra de Reynes, ressaltou ser convicção comum aos dois que “as ideias dos economistas e filósofos políticos são mais poderosas do que se acredita comumente... Homens práticos que se julgam livres de influências intelectuais são geralmente escravos de algum economista morto”! (Prebish, O pensamento de Kaynes). Na verdade, o debate das questões cruciais de nosso tempo – tecnologia, emprego/desemprego, distribuição de renda, luxo/miséria, globalização x soberania nacional – está norteado por ideias de economistas e filósofos políticos que já morreram, muitos há mais de 100 anos. Lembremos dos modelos microeconômicos e de equilíbrio geral, matrizes teóricas da ideologia atual da globalização, apesar de terem sido formulados no século XIX. Para alguns, isso é espantoso. Constituições, Cartas Magnas que regem a organização social e política, vigem por 30, 40 anos, às vezes menos. Códigos que duram 70 anos são considerados arcaicos. No entanto, os modelos que regem a dão forma às decisões econômicas, velhos de mais de 100 anos, permanecem entronizados, e até sacralizados, diriam outros. Que força existe por trás dessas ideias, garantindo-lhes tal perenidade, em comunidades e em economias sacudidas, desarticuladas e reestruturadas sucessivamente ao longo desses dois séculos. Para Galbraith, a força das ideias econômicas decorre, em parte, do fato de elas não constituírem uma verdade científica. São ideologias e compartilham do poder político. Para Celso Furtado, a ciência econômica recorre a mitos, porque “os mitos permitem orientar, num plano intuitivo, a construção de uma visão do processo social, visão que dá o sentido maior do trabalho analítico”. E Furtado afirma ainda: “Os mitos operam como faróis que iluminam o campo da percepção do cientista social, permitindo-lhe ter uma visão clara de certos problemas e nada ver de outros, ao mesmo tempo em que lhe proporciona um certo conforto intelectual, pois as discriminações valorativas que realiza são percebidas, pelo cientista social, como um reflexo da realidade objetiva” (Furtado, O mito do desenvolvimento econômico). Reflexões como essas nos ajudam a entender a formação e o papel das ideias econômicas e os vínculos tecidos pela História entre a teoria econômica, a política e a sociedade. Induzem à convicção de que a teoria econômica pode ser um instrumento de poder à disposição da comunidade. Enfim, podemos afirmar que as ideias econômicas nascem e germinam em sociedades concretas e correspondem necessariamente a uma ideologia na qual os mitos têm um papel considerável. Pensamos ainda que as novas ideias, no campo da Economia, aparecem e se difundem à sombra frondosa de valores éticos e sociais que exercem, como bem o disse Celso Furtado, o papel de farol que ilumina o campo de percepção do cientista social. Nas primeiras décadas desse século XX, a América Latina elaborou ideologia e sonhos próprios, que estimularam a formação de uma escola de pensamento econômico no Terceiro Mundo de forma pioneira. Essa escola foi a Cepal, instituição das Nações Unidas, onde se reuniram intelectuais da nossa Latino América, ao mesmo tempo em que se esfacelavam os laços coloniais com o antigo Império britânico. Como teoria básica, os cepalinos recorrem a Lord Keynes, economista e ministro do governo inglês, (Keynes) que considerou enganosa e nefasta a herança clássica e neoclássica quando aplicada a conjunturas de recessão e de elevado desemprego (introdução livro primeiro da Teoria Geral). As ideias keynesianas forneceram o cimento da paz e da coesão social por longo tempo, facilitando, no campo da política econômica, uma estreita aliança entre o capital e o trabalho, bem como a construção de uma rede de proteção social, sob a égide do Estado, a que hoje chamamos de Estado do Bem-Estar. Na história do pensamento econômico latino-americano, o Brasil já figura (–) como a pátria de Celso Furtado, considerado o econômico do terceiro mundo. Por isso, nestes dias, ele está sendo homenageado pela Sorbonne com um seminário internacional que vai debater o pensamento de Celso Furtado. O presidente Fernando Henrique, aliando-se a essa homenagem e a esse reconhecimento internacional acaba de instituir um Prêmio Celso Furtado, destinado a distinguir todos aqueles que (se) ofereçam contribuição relevante no campo de desenvolvimento econômico do terceiro/segundo mundo. Celso Furtado iniciou sua trajetória intelectual analisando a história do seu país e do seu povo. Ofereceu-nos aquela que é considerada sua obra clássica, Formação Econômica do Brasil e, assim como Keynes, teve competência e coragem, e dignidade, para negar a existência de um modelo de desenvolvimento econômico universal e atemporal. Empenhou-se em entender as raízes histórias do subdesenvolvimento colonial, chegando ao papel da empresa transnacional dos dias atuais. Por isso, penso eu que, ao instituir um Prêmio Celso Furtado, o presidente da República quis chamar nossa atenção para um exemplo a seguir. Quis dizer a vocês, aos jovens do Brasil: olhem para este homem, seus modelos e suas propostas podem já não ser os mais adequados ao nosso tempo, mas a sua trajetória intelectual é um exemplo de o que o Brasil precisa. Queremos jovens que, assim como ele, se dediquem a “identificar e combater mitos e doutrinas que servem de cobertura à dominação dos povos dos países periféricos dentro da nova ordem econômica mundial”. Queremos jovens que se dediquem à “tarefa básica de identificação das necessidades fundamentais de nossa sociedade, e às formas de satisfazê-las, homens e mulheres que percebam o avanço da ciência como um instrumento” (Furtado, A construção interrompida) que deve servir para construir a felicidade e o bem-estar de uma nação. Sabemos todos que a teoria econômica passa por uma crise de hegemonia, apesar da aparente vitória de um pensamento único. É que a economia não está sabendo corresponder ao anseio de homens e mulheres comuns cuja finalidade plena exige um conforto material mínimo. As pessoas querem um pedaço de terra e uma pátria, para onde possam retornar quando são expulsas dos países ricos onde são consideradas descartáveis. Querem moradia e alimentação para a família, educação para seus filhos. Estou certa de que os homens e mulheres desse nosso Brasil poderão respeitar a nossa profissão, se soubermos acolher como justas e corretas as ideias econômicas que assegurem a todos e a cada um, um pedaço de terra, o pão a escola e o hospital. O direito à vida com dignidade. Para isso, precisamos mergulhar na nossa própria história, onde estão gravadas as nossas fragilidades e as nossas vantagens comparativas, como povo e como gente. Aprender a conhecer e a conviver com amigos, inimigos e adversários. Localizar as brechas por onde transitam as ideias humanitárias. Prestigiar os homens e mulheres que deram exemplos de contribuição intelectual e política aos ideais de soberania nacional e de justiça social – ideais em torno dos quais se constrói a utopia de um povo e a grandeza de uma nação. Felicidades para vocês, muito obrigada por esta homenagem da qual lembrarei eternamente. Espero que a formação cristã que obtiveram em nossa universidade católica, os ilumine na vida profissional, tornando-os brasileiros respeitados e conscientes de sua responsabilidade social.

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