. THEOTONIO DOS SANTOS é outro autor cuja releitura nos daria novo ânimo para enfrentar as recentes ameaças, Na obra EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL. DA COLÔNIA À CRISE DA NOVA REPÚBLICA,[3] Theotonio afirmava: “A estratégia de crescimento econômico implantada no Brasil depois do golpe de Estado de 1964 se converteu, através das declarações de importantes setores ligados às companhias multinacionais, num modelo de desenvolvimento econômico baseado na “livre empresa”, que deveria ser seguido por todos os países subdesenvolvidos.” (p.191) Ao final desse capitulo, intitulado A CRISE DO “MILAGRE BRASILEIRO” , Theotonio esclareceu: Desde 1974 até o presente estamos vivendo desdobramentos dessa crise. (...) A crise econômica se transformava em crise política, e ambas se desdobram até os nossos dias, através das dificuldades de consolidação da Nova República, que surgiu do bojo desse processo .” (p.219) De fato, muitos de nós já estão convencidos, que o golpe de 2016 foi o aprofundamento do golpe de 1964. O que significa assumir que o enfrentamento do momento atual requer aprofundar 1964 e as sucessivas “facadas” que passaram a ser desferidas contra o Estado brasileiro, visando afastá-lo da condução do desenvolvimento sócio- econômico e cultural do Brasil. Em várias ocasiões Celso Furtado nos advertiu sobre essa questão. Por isto, em artigo recente, afirmei : A ênfase de Furtado no papel estratégico do Estado como único ator social em condições de liderar o desenvolvimento decorre, ainda, de sua percepção quanto ao poder – desmesurado – dos conglomerados transnacionais na economia brasileira. Esse poder não é um simples poder de mercado. Foi construído historicamente mediante o aprofundamento da dependência e esteve vinculado, no pós-Segunda Guerra Mundial, à hegemonia norte-americana. [4] (p.37) A bem da verdade, novamente, devemos enfatizar que a Constituição de 1988 -a Constituição Cidadã -, determinou que incentivos fiscais à exportação deveriam ser concedidos exclusivamente a produtos manufaturados ou, em situações específicas, a produtos em processo de industrialização. Visou, assim, evitar a marcha regressiva em direção ao liberalismo colonial e aos ciclos vinculados à agricultura de exportação (algodão, charque, borracha, minérios, café e produtos florestais). A proteção à continuidade da industrialização brasileira, através da exportação de produtos industrializados, foi o objetivo dos autores da Constituição de 1988 ao proibir isenções tributárias a produtos do setor primário. Mas tal cláusula, que visava a a continuidade do desenvolvimento industrial brasileiro, foi revogada pela indefensável Lei Kandir, de 1996. Tão indefensável quanto maliciosa/ladina em sua elaboração politica, esta Lei só foi homologada após praticamente um quarto de século, em maio de 2020. Foi esta Lei Kandir que isentou do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos primários e semi-elaborados (...)e garantiu, inicialmente, a Estados e Municipios, o repasse dos valores que seriam devidos caso os tributos não tivessem sido retirados sem maiores estudos ou análises em profundidade, na verdade. Com a alteração introduzida pela Lei Complementar 115/2004, e outras medidas legais, o direito de compensação pelos valores subtraídos aos estados e municípios brasileiros foi mantido, mas ficou indefinida a questão dos valores devidos. Controvérsias e debates permaneceram durante 16 longos anos. Para Sinara Bueno, despachante aduaneira e consultora de Comércio Exterior, após a homologação de 2020 e a decisão de manter indefinidos os valores a compensar foi desfavorável, pois, “Com isso, os governadores precisam negociar a cada ano com o Executivo o montante a ser repassado.” [3] 3. Outra jornalista que iniciou a carreira naqueles ‘ velhos tempos ‘, Maria Clara do Prado, comenta, em sua coluna de jornal, estudos recentes de Ignacy Sachs, economista estudioso do desenvolvimento e idealizador do termo “ ecodesenvolvimento “, pesquisador da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris), onde criou, em 1985, um Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo a convite de Fernand Braudel. Comentando texto de Sachs escrito em 2009– Brasil 2022: uma terra da boa esperança?– M.C.do Prado afirma que o Estado que tivemos nos últimos treze anos acabou por gerar apenas desesperança (...) , razão pela qual “o desenvolvimento sustentável conforme o potencial do país descrito por Sachs em 2009, não chegou a 2022. Todos os dados sociais apresentaram piora (...) o IDH - índice de desenvolvimento humano - continua péssimo, com o Brasil entre os dez da rabeira.” [4] 4.Destacamos ainda o mesmo tom de denúncia, e tristeza, em comentário de Marcio Pochmann: “(...) Na segunda “abertura dos portos”, o Brasil ingressou na atualidade da Era Digital enquanto grande país consumidor. Ao deixar de produzir internamente os bens e serviços digitais, o país passou a perseguir, novamente, o modelo primário-exportador, com o agravante de ter se convertido em plataforma de financeirização do estoque de riqueza velha. Ou seja, o Brasil passou a repetir, guardada a devida proporção, a crescente dependência das receitas advindas das exportações de produtos primários e semiprocessados (especialização produtiva) para financiar importações de bens e serviços digitais.” [5] 5.A novidade da atual conjuntura política, que destaco neste artigo, é a convergência de opiniões entre representantes da esquerda (AEPET) e da direita (jornal O VALOR ECONÔMICO). Regredimos, fomos derrotados (os que lutaram na redemocratização e pela Constituinte de 1988), os eleitores do PT de 2002 em diante. A convergência na análise de conjuntura seria bem vista, pois enfim estaríamos, ou estamos, chegando a uma saudável convergência de opiniões. O que não me parece saudável, por setores do pensamento políticoque costumavam divergir bastante, e há bem pouco tempo, é a utilização de um tom de denúncia no qual transparece mais a sensação de derrota do que um leve suspiro de esperança. Esperança é bem mais do que um pronunciamento, ou uma ordem- devemos, precisamos ter esperança -. Esperança, aquela que me anima e aquece, que me faz caminhar e pensar, ao som de uma canção como no tempo de Vandré, é aquele da qual faz parte um esboço de futuro, um pequenino sonho dourado, um esboço de sorriso alegre e confiante.... Quero sinalizar que precisamos afirmar, defender, esboçar projetos que anunciem algo diferente. Por exemplo: a-ensino público universal e em tempo integral, para todos os brasileiros entre 6 e 15 anos de idade Fiz parte de um tempo assim. Com escola pública dos 6 aos 18 anos de idade. Ainda não era de tempo integral, como na França republicana. b-só é devido imposto de renda para pessoas com renda maior do que 5 salários mínimos; fica instituída alíquota marginal de 80% nos rendimentos superiores a 50 salários mínimos. Fiz parte de um tempo assim, pois Reino Unido e a França republicana adotaram no pós-guerra um sistema tributário capaz de evitar a volta daqueles outros “Anos Dourados” , quando os ricos diziam acender o charuto com notas de 100 dólares... a chamada Belle Epoque. Respirei ares democráticos nos anos que antecederam minha adolescência. Penso nos nossos Anos Dourados, entre 1940 e 1964, incluídos o Estado Novo, berço da industrialização brasileira, e o período JK. Ali tive a sorte de nascer, brasileira e descendente dos povos originários. ______ Concluindo: Penso que a escola pública universal, mais um sistema tributário que promova e igualdade e coloque limites à acumulação patrimonial e financeira, seriam alguns passos iniciais em direção à construção do Brasil que sonhamos, com JUSTIÇA E IGUALDADE SOCIAL. Aí então, nem precisaríamos lutar por Democracia. O Estado Democrático de Direito apresenta-se, historicamente, entre nós, como resultado inevitável da convergência de atos públicos e privados orientados pela utopia da JUSTIÇA SOCIAL. ___ Ceci Juruá, economista, pesquisadora independente, mestre em desenvolvimento e planejamento econômico, doutora em políticas públicas, membro do Conselho Diretor do Centro Internacional Celso Furtado e do Conselho Consultivo da CNTU. [1] Valor A15, 10-05-2022, seção carta dos leitores, carta de José Anchieta Nobre de Almeida [2] Valor A2, 10-05-2002, A perda de protagonismo da indústria brasileira, por Pedro Cafardo [3] Sinara Bueno. Entenda mais sobre a Lei Kandir. IN https://www.fazcomex.com.br/exportacao/lei-kandir/ Acesso em 10-05-2022 [4] Maria Clara R.M. do Prado. Um Brasil que não chegou a 2022. Jornal Valor Econômico. Valor A15, 10-05-2022 [5] AEPET / Associação de Engenheiros da Petrobrás, 19-04-2022. Em marcha para a recolonização. https://aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/7672-em-marcha-para-a-recolonizacao

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Centenário de RAUL PREBISCH, por Celso Furtado. Texto N.1

defendo melhor uso para recursos dos impostos