artigo MEU já publicado no boletim gaúcho BOM DIA DEMOCRACIA . E na lista desenvolvimentistas/paraiso
Desânimo, capitulação ou simples cansaço ?
Precisamos de bandeiras de luta. Bandeiras concretas.
por Ceci Juruá
A maioria dos artigos recentes assinados por brasileiros, de várias correntes políticas, parece-me conter o sentimento de derrota. Derrota de uma geração, aquela que enfrentou o AI5 e lutou durante duas décadas por redemocratização e uma "Nova República".
O sentimento de derrota a que me refiro não está explícito. Afinal, quem foi rei nunca perde a majestade, diz o ditado popular. Mas ele pode ser percebido sob duas óticas. Por um lado, os fatos mais comentados e objeto de reflexão, recentemente, são as perdas e os retrocessos, como por exemplo : a variação negativa do salário mínimo, a desindustrialização da economia brasileira, a regressividade e financeirização do modelo econômico. São sentimentos de perda, não estimulam o bom combate. Devem ser combatidos e repensados.
Uma segunda ótica, onde transparece derrota no meu entendimento, é a ausência de textos e reflexões sobre alguns passos inadiáveis e compromissos do futuro próximo. Algo que dê concretude à disposição de sonhar com um mundo melhor.
Este artigo vai apontar exemplos dos traços que acabo de apresentar como "negativos", aqueles de maior presença na nossa imprensa cotidiana, capazes de influenciar negativamente a disposição para construir um outro mundo. Em seguida darei exemplo de propostas que podem ser desde já colocadas como compromissos de um governo efetivamente democrático e promotor da Justiça Social.
1-Variação negativa do salário minimo
Na seção Carta dos Leitores, José Anchieta Nobre de Almeida nos traz a informação que "o salário minimo terá este ano, pela primeira vez, o menor valor dos últimos 28 anos. (jornal VALOR ECONÔMICO, A15, de 10-05-2022)
Esta informação nos traz tristeza, pois aponta um fato real. O salário minimo brasileiro, que já foi superior a US$ 300 , hoje se encontra próximo de US$ 200, queda de 33% no período aproximado de 12 anos (2010/2022). Fato similar já havia ocorrido entre 1984 e o final da década de 1990.
Em matéria de poder de compra do salário minimo brasileiro, cabe lembrar que a melhoria ocorrida ao final dos anos 2003/2010 não resultou da ação das forças de um livre mercado. Foi uma decisão do Estado, uma nova política de reajuste dos valores do minimo, a partir de 2005/2006, com base nos ganhos de produtividade da economia brasileira traduzidos em crescimento econômico.
2-Desindustrialização
No mesmo jornal VALOR ECONÔMICO de 10-05-2022, na coluna intitulada A perda de protagonismo da indústria brasileira, de Pedro Cafardo, este jornalista compara o valor das exportações brasileiras de manufaturados com o valor correspondente das exportações chinesas, nos anos 1980 e 2020.
Em 1980 eram de valor equivalente os manufaturados exportados por Brasil e China, pois totalizaram US$ 9 bilhões e US$ 8,7 bilhões , respectivamente. Já em 2020, enquanto o Brasil exportou US$ 60,7 bilhões, os manufaturados exportados pela China somaram US$ 2,47 TRILHÕES !
Lemos ainda, no artigo de P. Cafardo, que a produção industrial brasileira representava 3% da produção industrial mundial, mas hoje é de apenas 1,8 %.
A desindustrialização, fato lamentável sob qualquer ponto de vista, tem sido um fenômeno relacionado a muitos fatores, dos quais dois merecem destaque, no meu entendimento.
Houve, por um lado, a Lei Kandir, em 1996, isentando do ICMS os produtos do setor primário. Contrariamente a esta lei, a Constituição de 1988 proibia favores fiscais a produtos não-manufaturados ou semi-manufaturados. A decisão de 1988, visava favorecer a continuidade da industrialização brasileira via comércio exterior.
Além de contrariar o espírito da Constituição Cidadã, em matéria de industrialização, houve a Lei Complementar 115, de 2004, que tornou indefinidos os valores devidos a Estados e a Municipios brasileiros, a título de compensação por perdas decorrentes da Lei Kandir. Este fato pode ser apontado como uma das causas do empobrecimento recente das unidades federadas que constituem a Região Sul (sobretudo o Rio Grande do Sul).
3-Retorno da economia ao modelo primário-exportador
Economista e engenheiro, o presidente da Fundação Perseu Abramo, prof. Marcio Pochmann, comentou em tom de tristeza e denúncia este momento que ele observa como sendo uma "segunda abertura dos portos do Brasil" , a exemplo do que ocorreu em 1808, por ocasião da chegada de D. João VI quando os portos do Brasil foram ab ertos aos países amigos... (Inglaterra, sobretudo).
Por isto, diz Pochmann o Brasil ingressou na atualidade da era digital enquanto grande país consumidor. "Ao deixar de produzir internamente serviços digitais, o país passou a perseguir, novamente, o modelo primário-exportador, com o agravante de ter se convertido em plataforma de financeirização do estoque de riqueza velha." (M.Pochmann, Em marcha para a recolonização. Boletim AEPET de 19-04-2022)
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Muitos outros exemplos similares eu poderia citar, utilizando artigos publicados na imprensa econômica e na mídia alternativa. Verifico sempre, na leitura diária, a esmagadora presença de artigos apontando nossa derrota frente aos objetivos de desenvolvimento que nos propusemos, até 1990. Dificilmente encontro um texto sinalizando otimismo justificado com dados confiáveis.
Atualmente, queixas, lamentos e denúncias superam largamente projetos e sonhos objetivos, propostas concretas. Fala-se apenas em futuro melhor, manter as esperanças, etc. Há quase um tom religioso, mistico, em tais afirmações ou "injeções de animo". Não podemos continuar assim. Temos necessidade de expectativas positivas, de fatos novos e concretos gerando alegria e ânimo, vontade de viver e construir.
Parece-me que nos falta algo concreto para esperar ou exigir em futuro próximo, isto é, logo no início de 2023. Acabar com a fome ? claro, é tarefa urgente. Mas não é tarefa de governo à altura do tamanho e das necessidades do Brasil. Combater a fome é trabalho para mecenas, particulares ou o Estado, isto é, mecenato público privado. Já fizemos, é necessário continuar.
Mas precisamos de algo mais. Algo que sinalize um passo à frente. Não dá mais para ficar enxugando gelo.
Ouso pensar, e propor, duas medidas a serem anunciadas logo após o resultado das eleições. E, em seguida, encaminhadas como proposta de Governo ao Congresso Nacional. Podem ser, desde já, nossas bandeiras de luta.
a) EDUCAÇÃO EM ESCOLA PÚBLICA DE TEMPO INTEGRAL, DOS 6 AOS 15 ANOS. PARA TODOS OS BRASILEIROS, DE QUALQUER COR E RELIGIÃO OU ETNIA.
Nenhuma outra proposta garantiria resultados equivalentes em matéria de promoção de IGUALDADE SOCIAL. Estou convicta que o sistema capitalista em ambiente de livre mercado e Estado acorrentado, como o atual, é o grande responsável pela expansão das
desigualdades sociais.
b)NOVO SISTEMA TRIBUTÁRIO, ISENTANDO DE IMPOSTO SOBRE A RENDA OS QUE RECEBEM ATÉ 5 SALÁRIOS, E ADOTANDO ALIQUOTA MARGINAL DE 80% PARA RENDAS QUE EXCEDEM 50 SALÁRIOS MINIMOS. PROIBINDO-SE QUALQUER ISENÇÃO PARA RENDIMENTOS ESPECIFICOS COMO DIVIDENDOS, JUROS E ALUGUÉIS.
CONFIRMANDO A CONSTITUIÇÃO DE 1988, IPTU E ITR DEVEM SER PROGRESSIVOS, SENDO PROIBIDO O REPASSE AOS LOCATÁRIOS.
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Ceci JURUÁ, RJ, 11 de maio de 2022. Economista, pesquisadora independente, mestre em Desenvolvimento e Planejamento Econômico, Doutora em Politicas Públicas, membro do Conselho Diretor do CICEF e do Conselho Consultivo da CNTU.
O Centenário de RAUL PREBISCH, por Celso Furtado. Texto N.1
CELSO FURTADO,” EM BUSCA DE NOVO MODELO. Reflexões sobre a crise contemporânea” Cap. VI. O CENTENÁRIO DE RAUL PREBISCH (SP : Editora Paz e Terra, 2002) Texto N.1, selecionado para o ICF/APD * _______Celso Furtado, sobre Prebisch e Cepal* “As Nações Unidas haviam criado a COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA em começos de 1948, fixando sua sede na capital do Chile, país autor da proposta e que muito se empenhara em sua aprovação. Mas não fora fácil encontrar alguém à altura para dirigir sua secretaria executiva. Nesses primeiros meses estávamos absorvidos em nossas tarefas... Inesperadamente circulou um estudo de natureza teórica preparado por um consultor independente: Raúl Prebisch. Raúl Prebisch chegara à CEPAL em fevereiro de 1949. Criador e diretor geral do Banco Central da Argentina, de 1934 à 1943, ele havia comandado a bem sucedida política de estabilização, particularmente em 1938, e recebera elogios dos mais variados círculos internacionais . Era, sem luga...
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