IDÉIAS PARA REPENSAR O BRASIL (4) (texto publicado no blog desenvolvimentistas/paraiso, em 31-02-2022)
De 1964 a 2016
Ceci Juruá*
Ainda bem que temos muitíssimos e ilustres intelectuais que vem a público colocar sua visão sobre o atual momento político brasileiro. Entre as constatações que tem vindo a público e que ampliam o entendimento de muitos leitores, destaco o texto “Confinamento da esquerda” [1]. Para o autor deste texto, a esquerda brasileira vive, na atualidade, “o seu momento de maior irrelevância na cena política nacional”.
Por esta e algumas outras razões, penso que estamos em momento político delicado, e insólito. O confinamento de que nos sentimos vítimas amplia, de fato, a sensação de impotência frente aos riscos que, sem originalidade histórica, renascem e escurecem nossos horizontes imediatos. Defrontamo-nos, outra vez, com velhas ameaças dirigidas à soberania da Pátria e à integridade do território nacional.
É momento de reler aqueles autores que já despertaram nossa atenção e conquistaram nosso respeito. Revendo e relendo meus livros acumulados há mais de meio século, duas observações tiveram recentemente, forte impacto sobre mim. Retransmito-as a seguir.
I-André Gunder Frank, na obra LUMPEN-BOURGEOISIE ET LUMPEN- DEVELOPPEMENT [2], introduz a seguinte hipótese :
1.”A conquista colocou toda América Latina em posição de subordinação crescente e de dependência econômica, colonial e neo-colonial, relativamente ao sistema mundial único do capitalismo comercial em expansão.
2.Esta relação formou e transformou a estrutura da economia e das classes, e até a cultura, no interior da sociedade latino- americana. Esta estrutura nacional transforma-se, portanto, em função das mudanças periódicas nas formas de dependência colonial.
3.Esta estrutura determina interesses de classe muito diretos para o setor dominante da burguesia. Prevalecendo-se, muitas vezes, de organismos governamentais e de outros instrumentos do Estado, este setor da burguesia desenvolve políticas de subdesenvolvimento no campo econômico, cultural e político, que atingem a “nação” e o povo latino-americano. Assim, quando uma mudança nas formas de dependência modifica a estrutura, ocorrem mudanças simultâneas na política da burguesia dominante. Estas mudanças acabam fortalecendo os laços de dependência econômica que facilitaram/propiciaram estas políticas e contribuíram assim para agravar o desenvolvimento do sub-desenvolvimento na América Latina.” (grifos do autor, AGF, p.19).
II. THEOTONIO DOS SANTOS é outro autor cuja releitura nos daria novo ânimo para enfrentar as recentes ameaças, Na obra EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL. DA COLÔNIA À CRISE DA NOVA REPÚBLICA,[3] Theotonio afirmava:
“A estratégia de crescimento econômico implantada no Brasil depois do golpe de Estado de 1964 se converteu, através das declarações de importantes setores ligados às companhias multinacionais, num modelo de desenvolvimento econômico baseado na “livre empresa”, que deveria ser seguido por todos os países subdesenvolvidos.” (p.191)
Ao final desse capitulo, intitulado A CRISE DO “MILAGRE BRASILEIRO” , Theotonio esclareceu:
Desde 1974 até o presente estamos vivendo desdobramentos dessa crise. (...) A crise econômica se transformava em crise política, e ambas se desdobram até os nossos dias, através das dificuldades de consolidação da Nova República, que surgiu do bojo desse processo .” (p.219)
De fato, muitos de nós já estão convencidos, que o golpe de 2016 foi o aprofundamento do golpe de 1964. O que significa assumir que o enfrentamento do momento atual requer aprofundar 1964 e as sucessivas “facadas” que passaram a ser desferidas contra o Estado brasileiro, visando afastá-lo da condução do desenvolvimento sócio- econômico e cultural do Brasil.
Em várias ocasiões Celso Furtado nos advertiu sobre essa questão. Por isto, em artigo recente, afirmei :
A ênfase de Furtado no papel estratégico do Estado como único ator social em condições de liderar o desenvolvimento decorre, ainda, de sua percepção quanto ao poder – desmesurado – dos conglomerados transnacionais na economia brasileira. Esse poder não é um simples poder de mercado. Foi construído historicamente mediante o aprofundamento da dependência e esteve vinculado, no pós-Segunda Guerra Mundial, à hegemonia norte-americana. [4] (p.37)
__*economista/pesquisadora/escritora, doutora em políticas públicas (RJ/2022)
[1] Prof. Alexandre de Freitas Barbosa (IEB/USP)
[2] Paris- Cahiers Maspero, 1971
[3] São Paulo: Expressão Popular, 2021
[4] Ceci Juruá. “Estado, Economia e Acumulação de Capital: a contribuição de Celso Furtado” . In HORIZONTES DE RECONSTRUÇÃO DA PÁTRIA SOBERANA. (RJ: ed. Letra Capital, 2018)
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O Centenário de RAUL PREBISCH, por Celso Furtado. Texto N.1
CELSO FURTADO,” EM BUSCA DE NOVO MODELO. Reflexões sobre a crise contemporânea” Cap. VI. O CENTENÁRIO DE RAUL PREBISCH (SP : Editora Paz e Terra, 2002) Texto N.1, selecionado para o ICF/APD * _______Celso Furtado, sobre Prebisch e Cepal* “As Nações Unidas haviam criado a COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA em começos de 1948, fixando sua sede na capital do Chile, país autor da proposta e que muito se empenhara em sua aprovação. Mas não fora fácil encontrar alguém à altura para dirigir sua secretaria executiva. Nesses primeiros meses estávamos absorvidos em nossas tarefas... Inesperadamente circulou um estudo de natureza teórica preparado por um consultor independente: Raúl Prebisch. Raúl Prebisch chegara à CEPAL em fevereiro de 1949. Criador e diretor geral do Banco Central da Argentina, de 1934 à 1943, ele havia comandado a bem sucedida política de estabilização, particularmente em 1938, e recebera elogios dos mais variados círculos internacionais . Era, sem luga...
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