Imaginação Econômica, por Luque, Silber, Luna e Zagha
Ceci Juruá. (Resenha. Artigo publicado em
Valor Econômico de 1/3 -maio 2021, p.A-16)
É muito difícil, atualmente, encontrar um bom artigo sobre a economia brasileira em jornais da mídia tradicional, conservadora. Defeito, ou falha, que atribuo, como Pierre Bourdieu, à arrogância imperialista do atual discurso que prevalece nos debates sobre as questões econômicas de uma sociedade capitalista. A crítica de Bourdieu está relacionada, explica Christian Laval, à oposição entre duas correntes antropológicas: a antropologia do homem econômico e a antropologia do homem social e simbólico.[1]
O artigo objeto desta resenha não incorre no economicismo imperialista do homo economicus, o que fica demonstrado logo no início, quando os autores afirmam que no caso brasileiro, Estado e mercado devem ser complementares, pois isoladamente nem um nem outro são capazes de resolver os problemas fundamentais da sociedade brasileira. A divisão de atribuições entre um e outro conjunto de atores deve ficar a cargo da sociedade, sabendo-se contudo, afirmam, que “são decisões complexas e recorrentes. Não há receitas que podem ser seguidas às cegas ou validadas para sempre”.
Com tais premissas fica claro que o modelo de partilha entre Estado e sociedade, em matéria de funções econômicas, requer – necessariamente – uma sociedade democrática, com ampla transparência dos critérios de decisão em questões de economia nacional e pública. Na Europa Setentrional e Ocidental, por exemplo, de padrões democráticos elevados, as reformas neoliberais anunciadas em meados dos anos 1990, não puderam avançar muito nessas duas décadas, porque as populações daqueles países tem demonstrado grande resistência às mudanças anunciadas.
No Brasil, percebemos claramente que o desmonte do Estado nacional e do conjunto de bases do modelo desenvolvimentista que caracterizou a Era Vargas, chocou-se contra as preferências dos brasileiros. A reconfiguração das instituições brasileiras, do desenvolvimentismo com soberania nacional para o neoliberalismo e a reconversão à posição de periferia em situação de vassalagem, exigiu a grande farsa das operações Lava Jato e o golpe de 2016.
Os quatro autores, professores da FEA-Faculdade de Economia e Administração das USP-Universidade de São Paulo, expõem com extraordinário bom senso sua preocupação com a atual reforma administrativa no Brasil, pois se trata de uma reforma que não tem fundamentos técnicos e não dispõe de estratégia para corrigir distorções dentro das carreiras públicas .... Observam também que a critica usualmente dirigida ao Estado, de que ele “gasta mal”, carece da análise das situações concretas com que se defrontam os funcionários públicos no desempenho de suas funções. No caso da lei do teto, que nos reconduz ao Estado mínimo, faltaram considerações sobre a eficiência econômica, enfatizam.
Mas a questão central, para mim, que me levou a elaborar esta resenha, é a corretíssima e corajosa observação, feita em linguagem simples e palatável para qualquer cidadão minimamente informado e razoavelmente bem intencionado quanto ao futuro do Brasil e do povo brasileiro. A saber :
A segunda lição é que a abertura da nossa conta de capital tem um custo: desindustrialização e perda de competitividade. O “trilema da política macro-econômica”, dedução teórica de Robert Mundell, prêmio Nobel de Economia, mostra que num mundo com mobilidade de capital financeiro, é impossível ter simultaneamente controle sobre o câmbio, autonomia da política monetária e globalização financeira. Tem-se que escolher duas das opções e abdicar da terceira.
[Europa ... e a maioria dos países asiáticos ...] mantiveram controles sobre os movimentos de capital . Isso permitiu manter o controle da política monetária e da taxa de câmbio. Restrições sobre o movimento de capital financeiro fazem com que um país possa aumentar a taxa de juros sem que isso ocasione uma entrada de capital e valorização da taxa de câmbio.
Abordaram aí a questão central do ponto de vista técnico e político – a retomada de uma trajetória soberana, para o Estado e para a economia brasileira, exige, a exemplo do que foi feito em grande número de países, o fim da livre circulação de capitais. É isto que precisamos exigir de um governo de oposição ao desmonte acelerado de nossas principais instituições. O resgate da soberania nacional e a viabilidade de construção de um futuro com vida decente para todos os brasileiros, dependem deste grito. Basta ! Dirijam-se a outras pastagens, senhores financistas a serviço da globalização imperial !
São duas as lições principais desse artigo. Segundo os autores, e eu concordo, elas nos levariam a políticas econômicas bem diferentes e mais pragmáticas do que as atuais. Concluo reafirmando que se trata de um artigo lúcido, de grande valor, que deveria ser encampado por todas as correntes de oposição ao atual governo e aos descaminhos da desordem. Parabéns, caros professores Carlos Luque, Simão Sillber, Francisco Vidal Luna, Roberto Zagha.
[1] Christian LAVAL. Foucault, Bourdieu e a questão neoliberal.São Paulo: Ed. Elefante, 2018
O Centenário de RAUL PREBISCH, por Celso Furtado. Texto N.1
CELSO FURTADO,” EM BUSCA DE NOVO MODELO. Reflexões sobre a crise contemporânea” Cap. VI. O CENTENÁRIO DE RAUL PREBISCH (SP : Editora Paz e Terra, 2002) Texto N.1, selecionado para o ICF/APD * _______Celso Furtado, sobre Prebisch e Cepal* “As Nações Unidas haviam criado a COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA em começos de 1948, fixando sua sede na capital do Chile, país autor da proposta e que muito se empenhara em sua aprovação. Mas não fora fácil encontrar alguém à altura para dirigir sua secretaria executiva. Nesses primeiros meses estávamos absorvidos em nossas tarefas... Inesperadamente circulou um estudo de natureza teórica preparado por um consultor independente: Raúl Prebisch. Raúl Prebisch chegara à CEPAL em fevereiro de 1949. Criador e diretor geral do Banco Central da Argentina, de 1934 à 1943, ele havia comandado a bem sucedida política de estabilização, particularmente em 1938, e recebera elogios dos mais variados círculos internacionais . Era, sem luga...
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